O fato é que a língua com vida própria de Lula serve de alimento aos opositores há muito tempo. Não foram poucos os momentos em seus dois primeiros mandatos de presidente em que o petista falou absurdos ou fez gracejos inadequados a um estadista, ou mesmo protagonizou momentos em que deixou de ser um exemplo de educação. E ele parecia não se importar com isso; era como se as gafes o aproximassem mais do povo e o tornassem mais popular. Talvez por isso havia a impressão de que Lula fazia questão de falar bobagens em momentos formais.
O problema agora é que gafes, asneiras e estupendos atos ou falas ignorantes são amplificados de modos inesperados na era das redes sociais, principalmente se os gestos vem de alguém de quem se espera respeito pela liturgia do cargo. Boçalidades de líderes políticos são mais "imperdoáveis" nos tempos atuais, e causam enormes desgastes ao governo e à própria imagem do presidente em relação à opinião pública, uma lição que o próprio Bolsonaro se recusou a aprender durante seu mandato, principalmente durante a pandemia, o que lhe rendeu significativos prejuízos políticos com efeitos que reverberam até o momento.
Lula
afirmou durante sua visita a Cabo Verde, na quarta-feira (19), ao lado do presidente José Maria Neves, que o auxílio a países africanos seria
uma forma de "pagamento" pelo período em que africanos foram
escravizados no Brasil.
"Nós
temos uma profunda gratidão ao continente africano por tudo o que foi produzido
durante 350 anos de escravidão no nosso país", disse Lula na
ocasião.
O
erro desse trecho do discurso é: não há motivos de gratidão pela prática do
escravismo. A escravidão é um dos crimes mais terríveis, um pecado medonho,
mesmo quando a prática era permitida por lei em qualquer lugar
ou época histórica. Mesmo quando a escravidão era legal, sempre foi
moralmente condenável por razões que deveriam ser óbvias. Só há motivos para lamentar. E a fala não programada de Lula foi lamentável. Apesar dos esforços dos aliados para tentar explicar o que o presidente quis dizer,
o estrago já estava feito.
Para
melhorar a comunicação do presidente, a equipe de três auxiliares será reforçada
com a chegada de Cristina Charão, que já trabalhou na assessoria da
primeira-dama Janja. E mais um profissional deverá reforçar a equipe para dar
suporte aos discursos e pronunciamentos do presidente.
Vale
ressaltar que houve um momento positivo no discurso de Lula. Ele
disse: "Quero recuperar a relação com o continente africano, porque
nós brasileiros somos formados pelo povo africano, a nossa cultura, nossa cor,
nosso tamanho é resultado da miscigenação entre índios, negros e europeus".
É verdade mas, apenas para registrar, é também verdadeiro que parte
da miscigenação brasileira foi fruto de estupros de escravas africanas; isso,
é claro, não precisa ser mencionado em um discurso como o do encontro em Cabo Verde.
De acordo com Lula, o país possui uma dívida histórica com o continente africano por conta da escravidão. Para ele, o investimento em tecnologia, formação e ajuda na industrialização e no setor agrícola são uma "forma de pagamento" dessa reparação (sic) histórica (deveria ter dito "forma de pagamento dessa dívida histórica").
Quando Lula não improvisa, fala com mais clareza. Que ele seja mais discreto e menos intuitivo. Que a lição seja aprendida em definitivo. Não é bom que o líder de uma nação seja marcado por constantes gafes e asneiras ao falar em público, uma característica presente nos três últimos presidentes que governaram o Brasil.
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